E as iniquidades raciais?

As iniquidades raciais afetam profundamente a saúde e o desenvolvimento de crianças e adolescentes, impactando a socialização, a autopercepção e o acesso a direitos fundamentais [1]. Coletar e analisar dados desagregados por raça é essencial para entender como o racismo se manifesta e gera desigualdades, permitindo a criação de políticas públicas mais justas e efetivas, capazes de fortalecer os territórios na promoção da saúde mental.

Embora tenha havido um esforço para coletar dados desagregados por raça para a construção do Índice de Promoção da Saúde Mental (IPSM), as limitações são evidentes. Em muitos casos, as informações sobre raça ou cor não são coletadas, estão incompletas ou são inconsistentes em sua cobertura em diferentes territórios, o que dificulta a análise precisa dos indicadores e a visualização das desigualdades. A ausência desses dados em diversos contextos e para diferentes indicadores também é uma manifestação da não priorização de um instrumento central para tirar da invisibilidade as iniquidades raciais e o racismo e fundamentar a tomada de decisão para a sua superação.

No Brasil, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra reconhece o racismo como um determinante social da saúde e enfatiza a necessidade de melhorar a coleta e análise desses dados  [2]. No entanto, ainda são enfrentados grandes desafios não apenas na disponibilidade e qualidade dessas informações, mas também na completude e na consistência desses dados.  

Estudos anteriores vêm identificando essa importante lacuna na disponibilidade de dados racializados no país devido à incompletude do quesito raça/cor [3,4], apesar da obrigatoriedade de coleta em diversas áreas da gestão pública, incluindo os sistemas de informação em saúde e o Censo Escolar [5,6]

No Censo Escolar, por exemplo, apesar de o preenchimento ser obrigatório, é possível marcar a opção “não declarado”, o que dificulta a análise e produção de informações desagregadas por raça/com. Em 2023, 20% dos estudantes matriculados não tiveram essa informação declarada [7]. Por outro lado, é fundamental destacar que fontes de dados para estatísticas vitais no Brasil, especificamente o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), apresentam alta completude (>97%) do quesito raça/cor [4] e, portanto, a análise e divulgação de estatísticas racializadas se torna uma questão de priorização e vontade política.

Para que intervenções mais efetivas sejam implementadas e para fortalecer a promoção da saúde mental em territórios vulnerabilizados, é fundamental que dados desagregados por raça estejam disponíveis e sejam sistematicamente coletados e analisados. Essa não é apenas uma reivindicação técnica, mas uma questão de justiça social, que requer o engajamento de diferentes atores, como gestores públicos, profissionais de saúde, usuários e sociedade. Sem esses dados, qualquer tentativa de promoção de equidade será limitada e importantes dinâmicas sociais serão ignoradas. Apenas superando essas limitações pode-se enfrentar as disparidades raciais e construir políticas de saúde que atendam adequadamente a população, com equidade, justiça e inclusão, especialmente os grupos historicamente marginalizados

Referências
1. Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância. Racismo, educação infantil e desenvolvimento na primeira infância. São Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal; 2021. Available: https://ncpi.org.br/wp-content/uploads/2024/08/Racismo-educacao-infantil-e-desenvolvimento-na-primeira-infancia.pdf
2. Brasil., Ministério da Saúde., Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa., Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra : uma política para o SUS. Brasília: MInistério da Saúde; 2013. Available: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_integral_populacao.pdf
3. Souza IMD, Araújo EMD, Silva Filho AMD. Incomplete recording of race/colour in health information systems in Brazil: time trend, 2009-2018. Ciênc Saúde Coletiva. 2024;29: e05092023. doi:10.1590/1413-81232024293.05092023en
4. Coelho R, Remédios J, Nobre V, Mrejen M. O Quesito Raça/Cor no DataSUS: evolução e determinantes da completude. Instituto de Estudos para Políticas de Saúde; 2023 Jun. Available: https://ieps.org.br/nota-tecnica-30/
5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 344, de 1o de fevereiro de 2017. Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. Ministério da Saúde; 2017.  
6. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB no 1, de 15 de janeiro de 2018. Institui Diretrizes Operacionais para os procedimentos administrativos de registro de dados cadastrais de pessoa natural referentes aos estudantes e profissionais de educação que atuam em instituições públicas e privadas de ensino em todo o território nacional. 2018. Available: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=80991-rceb001-18-pdf&category_slug=janeiro-2018-pdf&Itemid=30192
7. Agência Brasil. Um a cada quatro estudantes está sem raça declarada no Censo Escolar. 9 Nov 2024 [cited 19 Nov 2024]. Available: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2024-11/um-cada-quatro-estudantes-estao-sem-raca-declarada-no-censo-escolar